terça-feira, 19 de abril de 2011

Viagem a Ghardaia

Caríssimos e saudosos leitores,
Passados vários dias de penosas ausência, e podem acreditar que para mim tem sido mesmo doloroso não poder partilhar, imediatamente, as experiencias fantásticas que tenho tido o privilegio de vivenciar.
Como já perceberam, hoje sinto-me particularmente optimista e feliz por estar viva e ter tido a coragem de aceitar esta jornada africana. Ora, o motivo do meu jubilo deve-se à maravilhosa experiencia que tive, este fim-de-semana, no sul da Argélia, mais concretamente em Ghardaia, a cerca de 600 Km de Argel.
Receio não conseguir relatar-vos tudo o que vi, mas vou dar o meu melhor, para vos deixar um testemunho fidedigno e algo curioso, destes nossos dois dias , tão reconfortantes.
Aproveito para deixar um agradecimento público ao Bruno, pois foi ele o mentor e responsável, por todas as questões logísticas da viagem, que verdade seja dita, correu às mil maravilhas e sem percalços.
Assim, na sexta feira à tarde, partimos rumo a Ghardaia, com grande expectativa, mas a anos luz, daquilo que íamos encontrar. Chegados, ao pequeno aeroporto, fomos logo abordados pelo dono da casa, onde ficamos hospedados, que também foi o nosso guia pela localidade.
Foi no percurso até casa, que o nosso deslumbramento começou, no que me toca, não houve nada que não me tivesse surpreendido. Parecia um lugar do nosso imaginário, imensas transeuntes, envolvidas em lençóis brancos, com apenas um olho destapado, faziam com que o pequeno lugar parecesse uma cidade de fantasmas. O guia explicou-nos que as mulheres, depois do casamento, eram obrigadas a tapar o rosto, pois a cara destapada era um privilegio reservado às jovens solteiras, sendo que estas últimas, andavam de rosto descoberto, mas não se escavavam do uso do “lençol” branco, que lhes cobria toda a restante pele e cabelo.
O sitio que vos falo, é uma zona de Tuaregues, razão pela qual vimos muitos homens com chechs enrolados, na cabeça, outros usavam as boinas à Pedro Abrunhosa com calças daquelas que parece que o rabo acaba nos joelhos, verdadeiramente fashion.
Outras das coisas que me deixaram, verdadeiramente espantada, foram as casas, por serem completamente diferentes do que vemos, aqui em Argel e arredores. Contrariamente ao que seria de esperar, de um lugar de África, por aquelas bandas nota-se uma enorme preocupação, com a traça, fachada e ordenamento dos edifícios. As casas parecem as que pomos nos presépios, todas bonitinhas, conservadas e da mesma cor e material, um verdadeiro espanto.
Depois de passarmos por uma enorme área de palmeiras, chegamos assim à casa tradicional onde ficamos hospedados, um tranquilo refugio, e do mais típico que pode haver. Imaginem uma casinha branca, com uma tenda grande no jardim, para as noites de jantar e cantoria; um alpendre com vários arcos, muito simpáticos, que depois de transpostos, dava acesso a uma sala com almofadas e umas mesas baixinhas no chão; as paredes eram forradas de tapetes típicos, cheios de cor; ao canto uma lareira e no tecto uma abertura que deixava entrar a luz, ou para os mais românticos, ver as estrelas. Os quartos, só tinham dois buracos, tapados com redes; uma cama, muito simples; e alguns tapetes nas paredes, uma verdadeira delicia alheada do consumismo a que nos habituamos.
Como não pretendo escrever um romance, pelo menos para já, vou tentar abreviar, pois quero que continuem a ler-me.
Posto o aparte, comemos as comidas típicas da Argélia tais como o cuscus e a shorba, visitamos a pequena vila, cheia de curiosidades, como os buracos das paredes das ruas mais estreitas, cavados para as mulheres se esconderem sempre que um homem passa; ou a pequena mesquita que dizem ter inspirado o Corbusier, e que tinha uma pequena torre minúscula, para as mulheres que amontoadas, queiram assistir às cerimonias religiosas, de modo a não perturbarem os pensamentos dos homens crentes, e segundo eles, poderem ficar ali recatadas, dos olhares perversos dos homens. Tese que eu corroboro, pois ter pensamentos perversos com vultos brancos, parece-me verdadeiramente perverso.
Vimos também um mercado, repleto de tapetes, tâmaras, artesanato e tecidos, onde bebemos Thé maison e claro estás, regateamos o preço do tapete que compramos.
Depois da sesta, rumamos aquele que foi, para mim, o grande momento, o Deserto. Posso assegurar-lhes que vou recordar para sempre aquela areia fina, a calma, e nós no cimo da duna, com o por do sol de um lado e a lua branca do outro, um verdadeiro momento de paz, calma e felicidade, o momento onde se descobre que o tudo está, afinal, tão próximo do nada…
Volvidos a casa degustamos mais uma iguaria argelina, que não era boa, mas com de tudo o que vos contei, o que é que isso importa?
Depois do jantar, fomos para o alpendre, que nos esperava já com os tapetes e almofadas no chão, onde assistimos à preparação do chá típico, o Thé maison, (que leva quilos de açúcar, mas isso também não interessa nada) e onde nos deixamos deleitar ao som do bandol, tambores, cantos, danças e conversas daquelas *gentes maravilhosas, simples, simpáticas e genuínas, que tão bem nos acolheram, e nos proporcionaram momentos que nunca havemos de esquecer.
Desta viagem ficam também as lembranças do convívio inter-cultural, pois para além dos nativos conhecemos também dois alemães e um casal de jovem de 37 anos com 4 crias maravilhosas e rebeldes, todos hospedes da casa onde ficamos, que partilharam connosco estes dias deliciosos.
Cada vez me convenço mais que esta é uma terra de muita beleza e inúmeros recursos, e que esta gente tem nas mãos, todas as possibilidades para poderem ser uma grande potencia, bastava apenas aprenderem a explora-la .
Hoje não deixo pérolas, porque me parece que o relato que vos deixo está recheado delas.
Quero apenas dizer-vos que ontem houve um atentado, numa zona relativamente próxima de Argel e que envolveu conflitos com a policia, mas aqui em Argel está tudo calmo, por isso não fiquem preocupados connosco, pois está mesmo tudo bem.
Espero que tenham gostado tanto deste post, como eu gostei de o partilhar convosco.
Até breve,
*Deve ler-se homens, pois as mulheres são apenas espectros mudos que passam.

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